sábado, 17 de dezembro de 2011

SEMINÁRIOS
EU ETIQUETA
(Carlos Dummond de Andrade)

Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, permência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.”

Particularmente gostei muito de todas as apresentações dos seminários, especialmente as apresentações sobre o “Mercado de Luxo”, “A construção da mulher brasileira através dos cosméticos” e “A imagem do homem ideal”. Antes de tudo quero parabenizar os três grupos pelo desempenho nas pesquisas e pela qualidade das apresentações tendo em vista o que nos foi pedido e orientado para a realização dos trabalhos.

No entanto, acredito que tenha faltado um tom e uma reflexão mais crítica durante as apresentações, inclusive por parte do meu grupo que apresentou“A construção da marca Americana”. Percebo que ao falarmos de mercado, marcas, produtos, publicidade, levamos em consideração um número significativo de pessoas que tem acesso a isso, e aqui cabe lembrar que o Brasil nos últimos anos tem fortalecido a sua economia e por isso muitas famílias que chegaram a classe C alcançaram um poder de compra que antes talvez não passasse de um sonho distante. Mas é preciso, necessariamente, levar em consideração um número ainda mais expressivo de pessoas que não tem acesso a isso ou que por opção não estão nem aí para o mercado de luxo e muito menos pela imagem ideal de homem e mulher imposta pelo mercado.

Para termos uma ideia do abismo que existe entre aqueles que podem e aqueles que não podem, o salário mínimo no Brasil, hoje, é de R$ 545,00, metade do valor de compra quando ele foi criado na década de 40. Segundo o DIEESE, para cumprir as necessidades básicas de uma família de quatro pessoas, como prescreve o art. 7 da Constituição, o salário mínimo hoje deveria ser de R$ 2. 149, 76. Lembrando que se trata de manter as condições mínimas de uma pequena família. Agora imaginemos como este número expressivo de brasileiros se vê diante das exigências de homem e mulher ideal e mercado de luxo inspirados, para não dizer impostos, por padrões estrangeiros dos países do Norte.

A economia brasileira tem crescido sim, porém não o suficiente para erradicar a miséria. A população extremamente pobre no Brasil é estimada em 16 milhões de pessoas. Enquanto vemos propagandas afirmando e reafirmando a felicidade das pessoas a partir do valor da existência de determinado produto como por exemplo: American Express  - “Você reconhecido” ou “Não saia de casa sem ele”, Banco do Brasil – “O tempo todo com você” ou “Todo seu”, Magazine Luiza – “Vem ser feliz”, Tim -  “Viver sem fronteiras”, Pão de Açúcar - “Lugar de gente feliz”. Casas Bahia – Dedicação Total a Você. Chevrolet - "Conte comigo", Citibank - "Realiza com você", Itaú - "Feito pra você", L'Oreal - "Porque você vale muito" ou "Porque você merece", Natura - "Bem estar bem", O Boticário - "A vida é bonita, mas pode ser linda", Nike - "Just do it",   Louis Vuitton – (com Angelina Jolie) “Uma única viagem pode mudar o curso de uma vida. Camboja, maio de 2011″.entre outras, vemos também muita gente que sofre na extrema miséria. As necessidades básicas do ser humano não são atendidas, o desejo do supérfluo permanece dominante e gente de todas as classes está sendo pressionada a buscar liberdade e felicidade em marcas e produtos que prometem “vida em abundância”.

As pessoas são avaliadas pelos padrões do consumo e não por seu valor pessoal. Invertemos a lógica de valores e achamos que somos felizes vivendo assim.

Não quero neste post parece, de forma alguma, panfleteiro ou plenamente convicto das minhas escolhas pessoais e livre de qualquer influência, mesmo porque é impossível, apenas desejo refletir um outro lado que poderia e ainda pode ser pensando nos nossos trabalhos.

Encerro este post recordando a última parte do bonito e relevante poema de Drummond que fala do ser humano e das marcas que ele carrega: (...) “Por me ostentar assim, tão orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial, peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é Coisa. Eu sou a Coisa, coisamente.”